segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

A ERA DE OURO DO RÁDIO - 1920 Á 1960 NO BRASIL E NO MUNDO


Era do Rádio (Old-time rádio ou Golden Age of Radio, em língua inglesa) é o período que, nos Estados Unidos e outros países, compreendeu os anos de sucesso das emissoras de rádio.

Nos EUA foram as décadas de 20 e 30, enquanto no Brasil o auge desse meio de comunicação ocorreu nos anos 40 a 50 do século XX.

Até a chegada da televisão o rádio era o veículo de comunicação de massas com maior alcance e imediatismo.


A década de 30 marcou o apogeu do rádio como veículo de comunicação de massa, refletindo as mudanças pelas quais o país passava. O crescimento da economia nacional atraía investimentos estrangeiros, que encontravam no Brasil um mercado promissor.

A indústria elétrica e a indústria fonográfica proporcionaram um grande impulso à expansão radiofônica. A Era do Rádio e a Era de Ouro dos Cassinos estão associados a alguns artistas famosos que tiveram suas carreiras impulsionadas pela divulgação no rádio, e como palco ou referências de grandes shows os famosos cassinos da primeira metade do século 20.

O Rio de Janeiro desta época, Capital da República, era cheio de glamour, efervescência cultural e centro da política brasileira. O Cassino da Urca marcou uma época, e talvez tenha sido o mais famoso de todos.

Grandes nomes do cenário artístico nacional e internacional lá se apresentaram. Entre os artistas nacionais que lá fizeram shows memoráveis estão Carmen Miranda, Emilinha Borba e Grande Otelo.


1938 – 1945: Quando a Rádio Nacional foi fundada, no ano de 1936, o mundo inteiro ainda mal refeito da primeira Grande Guerra esperava pela eclosão de um novo conflito. No Brasil, Getúlio Vargas governava com aparência de alguma legalidade.

Fora eleito por uma Assembleia Constituinte, por ele mesmo nomeada, em 1934. Entretanto, o golpe que viria a implantar o Estado Novo encontrava-se em gestação.

O governo conseguira a pouco debelar a Intentona Comunista, liderada por Luís Carlos Prestes. Foi neste cenário, que a Rádio Nacional foi concebida.


A Rádio Nacional marcou a radiofonia no Brasil. Em seus quadros, brilhavam os talentos de Iberê Gomes Grosso, Luciano Perrone, Almirante, Radamés Gnattali e Dorival Caymmi.

Em 1940, a Rádio Nacional foi encampada pelo governo de Getúlio Vargas, a programação ganhou novo formato, sob a direção de Gilberto de Andrade.

O auge do rádio no Brasil ocorreu a partir dos anos 40, quando o país assiste o surgimento de ídolos, novelas e revistas a expor o meio artístico.

Dessa época são nomes como Mário Lago, Cauby Peixoto, Emilinha Borba, Paulo Gracindo, Janete Clair e muitos outros, que eram retratados na Revista do Rádio, de Anselmo Domingos.


Apesar de ter garantido por várias décadas papel de destaque na sociedade brasileira, em fins da década de 1950, com a concorrência da televisão, o rádio começou a perder prestígio, uma vez que a recente novidade reunia não apenas som, mas também imagem. Além do mais, ficava caro manter um cast de atores e atrizes.

Bem mais além do que mero meio de comunicação, o rádio no Brasil possibilitou a consolidação de gêneros musicais e teve importante participação na conformação política do país ainda na primeira metade do século XX.

As transformações urbanas que foram elementares na forma que a canção popular adquiriu no Brasil são o contexto do momento de crescimento e difusão das ondas radiofônicas e é, do mesmo modo, o advento do rádio sinônimo da modernização corrente nos idos das décadas de 1920 e 1930.

Angela Maria

Cauby Peixoto

Emilinha Borba

Mario Lago

Paulo Gracindo

Janete Clair

Envolta na nostalgia dos mais antigos e na curiosidade de outras gerações, a Era do Rádio é até os dias de hoje motivo de pesquisa e interesse, sobretudo pela quantidade de informação e de figuras destacadas da cultura nacional em sua consolidação no nosso país.

A primeira transmissão radial ocorreu em 07 de Setembro de 1922 como parte dos comemorativos que celebravam o centenário da Independência do Brasil.

A transmissão teve como destaque um discurso do então Presidente da República, Epitácio Pessoa. Também foram espalhadas nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói e Petrópolis, aproximadamente 80 receptores que captavam árias encenadas no Teatro Municipal de São Paulo d’O Guarani, de Carlos Gomes.





A primeira transmissão por rádio já prenunciava, de alguma maneira, o futuro ligado às manifestações nacionalistas que seriam recorrentes durante o governo Vargas, época de maior expansão das ondas radiofônicas.

Ainda na década de 1920 dois episódios marcam o início da Era do Rádio no Brasil, de acordo com Sérgio Cabral: a fundação da Rádio Sociedade, por Roquette Pinto e Henrique Morize em 1923 e a fundação da Rádio Clube Brasil, no ano seguinte.

Tais rádios funcionavam por poucas horas e em dias alternados, o que há, no entanto, no estudo de Sergio Cabral que nos chama a atenção é sua tese de que o rádio retira a música popular do terreno do amadorismo e a situa, em um processo paulatino, como também uma forma de profissionalização. Isso viria a ocorrer de modo mais acentuado durante a década de 1930.

A profissionalização do cantor com o advento do rádio veio junto de um repertório, por isso não foi ao acaso que a partir da década de 1930 o samba ganha cada vez mais relevância no cenário cultural brasileiro, se torna mais comercial e alia a figura do cantor às ondas radiofônicas, a venda de discos e ao gênero musical, em um circuito que nos permite visualizar uma lógica mercadológica sobre as canções.

No entanto, quem eram os artistas e quais canções interpretavam? Foi a partir desse momento que passam a ser ouvidas com destaque as composições de Ismael Silva, Wilson Baptista, Noel Rosa e outros.

Além disso, surgia a seara dos intérpretes, aqueles que se tornaram figuras recorrentes no rádio como Mário Reis e Francisco Alves (O rei da voz) e, entre as cantoras, Aracy de Almeida, Carmem Miranda e Dalva de Oliveira.

Wilson Baptista e Noel Rosa

Dalva de Oliveira

Aracy de Almeida

Francisco Alves

Um fato é importante para pensarmos a difusão radiofônica no Brasil na década de 1930: um aspecto que é mecânico, mas que ao mesmo tempo tornou-se político-cultural e diz respeito ao modo como as emissoras operavam. As antigas estações transmitiam apenas em AM (Amplitude Modulation), em ondas curtas ou longas.

Não entraremos no mérito das questões físicas do funcionamento do rádio, mas basta compreendermos que as ondas longas possuem baixo alcance da frequência, ao passo que as curtas têm maior irradiação. Os aparelhos, por sua vez, chegavam aos lares dos brasileiros com dispositivos capazes de sintonizar o tipo de onda que se queria captar.

Dessa maneira, uma família residente da cidade de São Paulo podia escolher ouvir o rádio por meio de ondas longas, e sem problema sintonizaria a Rádio Record e aproveitaria a programação disponível, repleta em programas de auditório e variedades musicais, como do mesmo modo, poderia sintonizar o rádio em ondas curtas e para apreciar a programação das emissoras cariocas, como a Roquette Pinto, a Tupi ou a Rádio Nacional.

Essa capacidade de alcance que possuía o rádio foi um filão a ser explorado por Getúlio Vargas a partir da instauração do Estado Novo em 1937.

Como classificam Francisco Weffort, Maria Helena Capelato e outros autores, o governo de Vargas pode ser compreendido pela chave do populismo: um fenômeno político de bastante recorrência na América Latina que tem por objetivo ser paternalista, desenvolvimentista e patriótico.

Getúlio operou mudanças significativas na vida do povo brasileiro, que se estendem desde a criação e consolidação das leis trabalhistas, por meio da neutralização da ação sindical, como pela fundação de indústrias de base capazes de tornar o Brasil um país competitivo do ponto de vista industrial.


Todavia, seus feitos sempre se davam pela negociata com os mais poderosos para que a população mais pobre, que era maioria, tivesse acesso algum tipo de bem – material ou cultural. 

Um dos recursos mais visíveis em governos populistas são as propagandas, por isso Getúlio estampava até mesmo em livros didáticos os valores morais que perpassavam seu governo.

Desse modo, se a educação de crianças já convivia com o varguismo, os pais aprendiam a cartilha do governo por meio de programas radiofônicos, onde se exaltava a pátria e as ações do presidente.

Getúlio Vargas discursando nos microfones da Rádio Nacional: Getúlio tratou criar um aparelho estatal nas rádios brasileiras, a exemplo do que fez também outro presidente sul-americano, também populista e contemporâneo de Vargas, Juan Domingo Perón, na Argentina.

Desse modo, a Rádio Nacional que quando criada em 1936 tinha o caráter de empresa privada, tornou-se em 1940 uma empresa pertencente ao governo brasileiro.

Seu modo de operar por meio de ondas curtas fez com que todo o território brasileiro fosse preenchido pelas ondas da emissora.


O Estado Novo, mais precisamente o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) criou um modelo de programação onde jornalismo e entretenimento caminhavam lado a lado na Rádio Nacional.

Desse período data o surgimento da “Hora do Brasil”, dedicado às notícias do executivo brasileiro, o “Repórter Esso”, jornalismo de plantão que informava em primeira mão os fatos emergenciais, e programas humorísticos que consagraram artistas brasileiros como o “Balança, mas não cai” e “PRK-8”.

Onde atuavam como protagonistas, Paulo Gracindo, Walter D’Ávila e Brandão Filho. Mais tarde, o entretenimento adquire outros contornos com a estreia das radionovelas.



Divas na Era Do Rádio


Os concursos que elegiam as Rainhas do Rádio começaram em 1936, organizados pelo jornal Diário da Noite e pelo bloco carnavalesco Cordão dos Laranjas, no qual a cantora Linda Batista ganhou a coroa, repetindo o feito por três vezes.

Para Maria Luisa Rinaldi, autora do livro “As Rainhas do Rádio”, os concursos se traduziam num fenômeno capaz de caracterizar claramente o processo pelo qual funcionava a Indústria Cultural da época.

Para o radialista Manoel Canário, tornar-se uma rainha do rádio representava prestígio, ao gravar discos, participar dos filmes da chanchada, fazer publicidade, se apresentar no Brasil e no mundo.

A partir delas, surgiu esse mundo glamoroso vivenciado pelos artistas, permanecendo até os dias atuais.






A Associação Brasileira de Rádio (ABR) começou a organizar os concursos a partir de 1948, quando este passou a ter a finalidade de arrecadar fundos para a construção do Hospital dos Radialistas, que acontecia através da venda de ingressos.

Os programas de auditório no qual ocorriam esses concursos era um fenômeno na época.

O concurso era patrocinado por uma grande empresa; eles davam uma espécie de cupom, ou seja, quem comprasse mais o produto ou cupons seria a eleita.

Nas eleições do concurso de Rainha do Rádio, nem sempre o público decidia qual cantora ganharia. Muitas vezes as empresas que patrocinavam as candidatas investiam mais em uma determinada cantora do que em outra, “Sempre houve fraudes nesses concursos, naquela época, não tinha ibope; todos pensavam que a Emilinha iria ganhar, mas o patrocinador decidiu investir mais na Marlene, então ela saiu vencedora”, relata Manuel Canário.

Além de ganhar a coroa, Marlene também ganhou o patrocínio de uma marca famosa de refrigerante, elevando o seu número de fãs.

Mas Emilinha não deixou de ter a sua importância, foi à primeira cantora a ter um fã-clube. Já Marlene participou de toda a programação musical da Rádio Nacional, de 1949 até 1965.

Com essa eleição, Marlene que não era tão conhecida, ao ganhar de Emilinha, adquiriu também o ódio de seus fãs, ocasionando a rivalidade entre as torcidas.

A disputa entre as duas era tanta que Marlene contou que quando ela ganhou o concurso de carnaval, as fãs de Emilinha a esperavam na saída da emissora com pedaços de pau nas mãos.

Outro episódio vivenciado pela cantora Marlene foi uma joelhada na barriga, que sofreu durante sua gravidez, por parte de uma fã de Emilinha.

Marlene

Emilinha

Ser uma Rainha do Rádio era muito importante em uma época em que a mulher só era reconhecida pelo seu trabalho no lar. Ser cantora representava a oportunidade profissional e a perspectiva de carreira heterogênea da população urbana.

A mulher naquela época ficava mais tempo em casa porque não trabalhava fora. Assim, tinha mais tempo para ouvir o rádio, fidelizando e aumentando a audiência dos programas.

A diva representava uma porta de liberdade para a mulher da época, que vivia subordinada ao marido, ao pai e ao machismo da sociedade daquele período.


A influência das divas na formação da música popular brasileira foi extrema; elas influenciaram gerações com seus timbres marcantes e letras intensas, a exemplo das cantoras Maria Betânia, Gal Costa e Elba Ramalho, fãs assumidas das vozes de Dalva, Emilinha e Ângela Maria.

As brigas conjugais entre Dalva e Herivelto Martins inspiravam os compositores. Segundo o radialista Perfilino Neto, a melhor representante dos concursos foi Emilinha Borba, ela se expressava bem, além de possuir boa desenvoltura, mantinha uma postura conservadora; isso lhe dava credibilidade diante de seus fãs, num período onde o preconceito contra as mulheres reinava.

As Divas foram de certa forma uma revolução numa época em que tudo era proibido. Elas eram mulheres à frente do seu tempo, pois para uma mulher ganhar o seu próprio dinheiro, numa sociedade machista, era muita coisa; representava uma autonomia numa época em que a mulher era dependente do marido.

Isso sem contar na vida amorosa das divas que como Dalva de Oliveira se casou novamente, numa época em que o divórcio não era visto com bons olhos.

Dalva e Herivelto

O recurso, entretanto, que viria a subsidiar a propaganda governamental e o funcionamento do rádio com sua programação musical e humorística, era extraído do patrocínio. Getúlio permitiu que diferentes empresas fossem divulgadas no rádio, popularizando marcas e hábitos, acentuando a consolidação da Indústria Cultural no Brasil.

Esse modo de operar economicamente foi a princípio um recurso restrito a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, mas já na segunda metade da década de 1940 tornou-se lugar-comum nas diferentes estações de rádio do país.

Chamamos atenção status profissionalizante que o rádio conferiu aos artistas brasileiros, isso sem dúvida foi também propiciado pelo patrocínio, pois existindo o recurso as rádios de diferentes regiões eram capazes de contratar artistas para manterem em seu cast e tornar diversificada a programação.

Dessa maneira, o sonho do artista não era apenas a gravação de discos, mas sim ser contratado por uma grande emissora radiofônica para as apresentações ao vivo nos programas de auditório.

Dalva de Oliveira coroada “Rainha do Rádio” em 1951. Como dissemos, o samba foi o gênero mais popular na Era do Rádio e suas formas mais originais que preservavam seu contexto de produção e rítmica foram conservados em sua difusão até o Estado Novo.




Nesse momento, em meados da década de 1940, incide sobre o gênero as tentativas de torna-lo representante da identidade nacional, não apenas o gênero e as canções, mas também seus estandartes, como o carnaval.

Getúlio que operava uma política de moralização e virtuosismo das potências e belezas do Brasil, trata, por meio de seus departamentos de cultura limar do samba seus aspectos que remetiam a cultura negra, e consequentemente aos ambientes de marginalização que lhe eram correspondentes naqueles tempos de amplo preconceito.

Assim, o samba passa a ser executado por artistas de voz potente e que não possuíssem identificação com o morro ou outros ambientes, daí a recorrência a Mário Reis e Francisco Alves, o acompanhamento das canções passa a ser feitos por grandes orquestras e dão um ar sofisticado ao gênero, e quando se tratava da programação da Rádio Nacional eram regidos por Radamés Gnatalli, além das letras que supervalorizavam a mulata e as belezas naturais do Brasil.

“O teu cabelo não nega”, “Serra da Boa Esperança”, “Aquarela do Brasil” são exemplos dos caminhos que o samba passa a percorrer. Diante da mesma lógica de “branqueamento” do gênero, é criado o “samba-canção”, que era também acompanhado por grandes orquestras e com versos que engendram o denominado “samba dor-de-cotovelo” além da presença cada vez mais marcante da música latina, como a rumba e o bolero, interpretada no Brasil por artistas que se inspiravam nos grandes conjuntos mexicanos como o Trio Los Panchos.


Cauby Peixoto tornou-se um ídolo na era do rádio. Por esse caminho, cada vez mais focaliza-se a figura do artista e sua representatividade na sociedade, esse processo se transforma com o tempo, mas é o embrião da figura do ídolo que se conhece hoje, fosse por meio dos concursos das Rainhas do Rádio que na década de 1950 imortalizaram Dalva de Oliveira, Ângela Maria e Emilinha Borba, ou pelo fenômeno que se tornou Cauby Peixoto, Orlando Silva e Nelson Gonçalves.

Pertence ao mesmo cenário a extrema comoção gerada pela morte acidental de Francisco Alves. Em outras palavras, a consolidação do rádio faz com que a música tenha menos importância que o artista.

O paradigma musical consolidado pelo rádio na primeira metade do século XX no Brasil, de acordo com Santuza Cambraia Naves, trouxe à tona o exagero.




De acordo com a autora, tinha-se um entendimento de que a canção necessitava de ampla orquestra e grande potência vocal, e desse modo está inscrita no imaginário brasileiro a Era do Rádio, que a partir das rupturas promovidas pela Bossa Nova passaram a ser redefinidas e reinterpretadas, principalmente por João Gilberto, em 1958.


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