segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

JOVEM GUARDA


Enquanto os bossa novistas se politizavam e flertavam com a temática social, no hemisfério diametralmente oposto a jovem guarda canalizava os anseios da moçada mais antenada com o que vinha de fora, ansiosa por uma música moderna, leve e dançante, como os Beatles sabiam fazer tão bem.

Estudar a jovem guarda é se debruçar sobre uma produção cultural voltada mais para o entretenimento e o mercado do que para o nacionalismo ou o engajamento político. Polos opostos no panorama de consumo musical, especialmente dos jovens, nos primeiros anos de regime militar. 

Com a consagração do programa O Fino da Bossa, conduzido por Elis Regina e Jair Rodrigues na TV Record, não tinha gravadora que não sonhasse em emplacar seu casting de estrelas na televisão. A disputa, naquele momento, era sobretudo por audiência.


Enquanto os artistas alinhados à bossa nova, politizada ou não, faziam lobby para subir no palco do Fino, aqueles que tocavam outros tipos de música se punham a tramar estratégias de ocupação da grade horária com programas similares. O mais notório subproduto do Fino, concebido para atrair outro filão, foi o Jovem Guarda, apresentado nas tardes de domingo na mesma TV Record.

A polarização era evidente. De um lado, os jovens engajados, comprometidos com a cultura nacional, ligados ao que havia de mais moderno na música brasileira. Isso, é claro, sem abdicar da herança do samba tradicional e da primeira fase da bossa nova, envolvida também com o CPC e a vanguarda do teatro (Arena, Oficina, Opinião) e do cinema (o Cinema Novo de Ruy Guerra e Glauber Rocha). 

Do outro lado, a moçada que admirava Elvis Presley, Chuck Berry e Little Richard, entusiasmada com o surgimento dos Beatles e a animação de seus álbuns. Já em 1963, quando o mundo inteiro cantava “She Loves You”, o yeah-yeah-yeah presente no refrão foi traduzido para iê-iê-iê no Brasil e passou a designar o tipo de rock feito pelos Beatles.


Em 1964, o primeiro filme estrelado pelos Beatles estreou na Inglaterra com o título de ‘A Hard Day’s Night’ e, no Brasil, como Os Reis do Iê-iê-iê. Consolidada a beatlemania, crescia a turma embevecida com os hits importados. “My Girl”, dos Beatles, virou “Meu Bem”, na voz do “príncipe” Ronnie Von. “All My Loving”, também dos Beatles, virou “Feche os Olhos”, com Renato e Seus Blue Caps. 

O programa Jovem Guarda foi concebido por uma agência de propaganda, justamente para atrair essa turma. Na prática, os objetivos principais do programa eram substituir os jogos de futebol, cuja transmissão acabara de ser proibida, e disputar anunciantes com outro programa, o Festival da Juventude, apresentado também nas tardes de domingo, na TV Excelsior. 

Para isso, a Record repetiu o modelo adotado no Fino: o palco era comandado por astros da música, e não meros apresentadores, e a eles se somavam outros artistas. O trio de ouro do iê-iê-iê cumpria o papel de anfitrião: o “rei” Roberto Carlos, o “tremendão” Erasmo Carlos, e a “ternurinha” Wanderléa. O rei repetia a torto e a direito o bordão “é uma brasa, mora”, transformado numa das gírias mais marcantes dos anos 1960.


O título do programa, inspirado na expressão velha guarda, foi logo adotado pelas rádios e gravadoras para se referir ao ritmo praticado pelos artistas que batiam ponto em seu palco: Ronnie Von, Jerry Adriani, Os Vips, Eduardo Araújo, Renato e Seus Blue Caps, Os Incríveis, Martinha, Wanderley Cardoso, Golden Boys e outros. Nascia, assim, o movimento da jovem guarda

Um movimento teve muita força até 1967, quando seus artistas já não podiam resistir à fama de alienados ou americanizados, mas manteve alguma dignidade até o fim do programa, em 1968. Em janeiro daquele ano, a audiência do Programa Sílvio Santos, então exibido pela Rede Globo, superou pela primeira vez o público do Jovem Guarda, e Roberto Carlos optou por abandonar o barco. Erasmo e Wanderléa assumiram o leme por mais algumas semanas, mas o fim era eminente. 

Em razão do sucesso dos artistas da jovem guarda, uma nova polarização despontou: entre os que concebiam o uso da guitarra elétrica e os que a consideravam um instrumento “alienígena”. Essa oposição continuaria presente até o final da década, com a guitarra sendo apoiada pelos tropicalistas e rejeitada pelos praticantes da música de protesto, arrancando vaias e aplausos nos festivais.



As Principais Canções da Jovem Guarda

"Estúpido Cupido (Howard Greenfiel e Neil Sedaka, versão de Fred Jorge)" Principal intérprete: Celly Campello. A versão em português de “Stupid Cupid”, sucesso de Connie Francis em 1958, foi gravada por Celly Campello, em 1959. A música rendeu a ela o título de precursora do rock brasileiro e de uma das musas da jovem guarda, após a consagração do movimento. Foi sondada para apresentar o programa da Record ao lado de Roberto e Erasmo, mas decidira interromper a carreira ao se casar, aos 20 anos, em 1962. Mesmo assim, essa e outras músicas de seu repertório, como “Banho de Lua” e “Lacinhos Cor-de-Rosa”, seguiram associadas ao movimento.

"Splish Splash (Bobby Darin e Murray Kaufman, versão de Erasmo Carlos)" Principal intérprete: Roberto Carlos. Faixa título do LP lançado por Roberto em 1963, em que o cantor assume definitivamente sua porção roqueira (no álbum anterior, de 1961, prevalecia a influência da bossa nova e da música romântica). “Splish Splash” é uma versão em português, feita por Erasmo Carlos, para um hit americano homônimo, do repertório de Bobby Darin, de 1958. Nela, estão sintetizados a harmonia simples e o ritmo dançante do rock predominante naquele período, bem como a letra ingênua focada no cotidiano da juventude, como o beijo roubado no escurinho do cinema. 

"Quero que Vá Tudo pro Inferno (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)" Principal intérprete: Roberto Carlos. Foi lançada no programa Jovem Guarda, no final de 1965, e logo se tornou sua assinatura: quase sempre, o encerramento era feito com todos os convidados cantando juntos o maior sucesso de Roberto e Erasmo. Faixa de abertura do LP Jovem Guarda, de Roberto, também de 1965, foi responsável por transformar o cantor num fenômeno pop nacional.

"Festa de Arromba (Roberto Carlos e Erasmo Carlos)" Principal intérprete: Erasmo Carlos. Lançada em 1965, num compacto simples de Erasmo Carlos. A música fez tanto sucesso que chegou a ser cogitada como título da versão carioca do programa Jovem Guarda, exibido ao vivo pela TV Rio, nas noites de segunda-feira. Entre gírias e interjeições (“hey, hey/ que onda/ que festa de arromba”), a letra presta homenagem aos principais nomes do movimento: “Renato e seus Blue Caps/ tocavam na piscina/ The Clevers no terraço/ Jet Black’s no salão/ Os Bells de cabeleira/ não podiam tocar/ enquanto a Rosemary/ não parasse de dançar…”.

"Pare o Casamento (Fred Johnson, Leroy Kirkland e Pearl Woods, versão de Luís Keller)" Principal intérprete: Wanderléa. O maior sucesso da Ternurinha foi esta versão em português para um hit de Etta James, lançado originalmente pela cantora americana em 1963, incluída no LP A Ternura de Wanderléa, de 1966. “Senhor juiz, pare agora”.

"Rua Augusta (Hervê Cordovil)" Principal intérprete: Ronnie. Cord Hervê Cordovil era maestro e arranjador da rádio e da TV Record quando compôs “Rua Augusta” para ser gravada, em 1964, por seu filho Ronnie Cord, um dos ícones do iê-iê-iê pré-jovem guarda. Antes disso, ele havia sido parceiro de Noel Rosa num samba dos anos 1930 e autor de canções gravadas por diversos artistas, em diferentes gêneros musicais. Sua inspiração para esta canção foi a rua mais jovem, moderna e cosmopolita de São Paulo, onde ficava a boate Lancaster, templo do twist, e onde a garotada fazia racha na madrugada. Cena esta eternizada na letra: “Desci a Rua Augusta a 120 por hora…”.

                  Roberto Carlos Braga

Cachoeiro de Itapemirim, 19 de abril de 1941. É um cantor, empresário e compositor brasileiro. Embora tivesse iniciado a carreira sob influência do samba-canção e da bossa nova, no início da década de 1960, Roberto mudou seu repertório para o rock. Com composições próprias, geralmente feitas em parceria com o amigo Erasmo Carlos, e versões de sucessos do então recente gênero musical, fundando as bases para o primeiro movimento de rock feito no Brasil. Com a fama, estrelou ao lado de Erasmo Carlos e Wanderléa um programa na TV Record chamado Jovem Guarda, que daria nome ao primeiro movimento musical do rock brasileiro. Além da carreira musical, estrelou filmes inspirados na fórmula l como "Roberto Carlos em Ritmo de Aventura", "Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa" e "Roberto Carlos a 300 Quilômetros por Hora". Na virada para década de 1970, reformulou seu repertório rock'n'roll e se tornou um cantor e compositor basicamente romântico, que não modificou desde então.


Erasmo Esteves

Rio de Janeiro, 5 de junho de 1941, mais conhecido como Erasmo Carlos, o tremendão, é um cantor, compositor, músico multi-instrumentista e escritor brasileiro, famoso por suas parcerias com o cantor Roberto Carlos. Erasmo conhecia Sebastião Rodrigues Maia (que mais tarde seria conhecido como Tim Maia) desde a infância, entretanto a amizade só viria na adolescência por conta da febre do Rock and Roll. Em 1957 Tim Maia montou a banda The Sputniks, sendo os membros da banda Tim, Arlênio Lívio, Wellington Oliveira e Roberto Carlos.


 Wanderléa Charlup Boere Salim

Governador Valadares, 5 de junho de 1946 é uma cantora brasileira. Tornou-se famosa durante o movimento Jovem Guarda, fazendo sucesso juntamente com seus amigos Roberto Carlos e Erasmo Carlos no programa de televisão homônimo. Trabalhou como atriz principal no filme brasileiro "Juventude e Ternura" (1968), direção de Aurélio Teixeira, bem como contracenou com Roberto e Erasmo em Roberto Carlos e o Diamante Cor-de-rosa (1970) de Roberto Farias, entre outros filmes.

Aos dez anos de idade ganhava concursos em rádios e lançou em 1962 o primeiro compacto. No ano seguinte, sai o primeiro LP, "Wanderléa", pela Discos CBS, na época uma subsidiária da Columbia Records. Na gravadora conhece Roberto Carlos, quem namorou por pouco tempo, e Erasmo Carlos, passando a apresentar em agosto de 1965 o programa Jovem Guarda pela TV Record de São Paulo.

Transmitido nas tardes de domingo, o programa teve uma das maiores audiências da época e lançou diversos artistas. Wanderléa e Celly Campelo foram as primeiras estrelas do rock brasileiro. Participou de filmes ao lado de Roberto Carlos e, depois de terminada a Jovem Guarda, continuou a carreira como cantora pop. Atualmente se apresenta cantando seus maiores sucessos, como "Pare o Casamento" (versão de Luís Keller), "Ternura" (Rossini Pinto) e "Prova de Fogo" (Erasmo Carlos).


Com o fim do movimento, os artistas da Jovem Guarda tomaram três caminhos distintos a partir da década de 1970. Enquanto alguns de seus artistas mantiveram-se identificados com o rock (Os Incríveis, Eduardo Araujo, Erasmo Carlos) e outros se mudaram para a música sertaneja (como Sérgio Reis), a grande maioria deles enveredou-se para a música romântica, de forte apelo popular. Foram os casos de Roberto Carlos, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Ronnie Von e Reginaldo Rossi (líder, durante a Jovem Guarda, da banda The Silver Jets). 

As estética Jovem Guarda, especialmente suas baladas, tiveram grande influência sobre uma nova geração de artistas da música popular brasileira a partir da década de 1970, como Odair José, Diana, em uma vertente que acabou sendo tachada por críticos de "música cafona". 

Antes disso, a Jovem Guarda foi a principal responsável pela introdução da guitarra elétrica e do órgão Hammond por Lafayette em gravações de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléa e a maioria dos artistas da Jovem Guarda, em seus discos com solo de Orgão e também nos bailes com seu conjunto. Na música do Brasil, que acabou incorporada definitivamente com a Tropicália.









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